Todos os anos, em 26 de setembro, dia de Cosme e Damião, ela
enchia a grande sacola preta com os doces preparados na véspera.
Então ela saía pelas ruas e as
crianças a cercavam.
Pequenos selvagens. Mini monstros
que tomavam de suas mãos de velha o pacotinho com cocada, suspiro, brigadeiro e
cajuzinho, e corriam afoitos, sem nem dizer obrigado.
Diziam que só no fim da tarde ela
voltava para casa. Tarefa cumprida, a grande sacola preta vazia. Então, exausta
e suada, a velha desabava no sofá da pequena sala e, olhando a sacola que ainda
mantinha nas mãos, ria.
Passados dois dias, as crianças
começavam a adoecer.
Algumas eram levadas às emergências
dos hospitais. Outras, não sobreviviam tanto tempo.
No meio da revolta e da tristeza da
sociedade, sempre havia alguém que desconfiava dos doces. E ia investigar-lhes
a procedência. Quem conseguia, porém, chegar até a casa da velha doceira,
encontrava apenas um imóvel vazio, triste, abandonado para a poeira e o silêncio.
Como se daquele jeito estivesse desde sempre.
Eu vi a velha uma vez, quando
criança, num dia de Cosme e Damião. Não peguei os pacotinhos fatais, por causa
de uma dor de barriga que levara minha mãe a me proibir de comer doces por um
tempo. Escapei de morrer, mas até hoje essa senhora diabólica me aparece à noite,
frequentando sinuosa os meus pesadelos.