sexta-feira, 10 de setembro de 2010

História de amor

Só porque gostava de ficar sozinha no cemitério, os pais arrumaram-lhe um psiquiatra.

Na terceira semana, descobriu-se apaixonada pelo psiquiatra. E estava certa de que era correspondida, apesar da aliança cintilando no dedo dele.

À noite sonhava com ele e acordava chorando. Queria continuar a dormir e sonhar.

Desejo dolorido e doentio de presenteá-lo. De dar a ele um pouco do que ela era. Não poderia ser qualquer presente. Tinha que sair dela.

Separou então numa caixa um punhado de fios de cabelo. Acrescentou um dente que ela mesma arrancara com o alicate. Um naco de carne da perna que ela mesma cortara. A unha de um dos dedos da mão. E um vidrinho cheio de seu próprio sangue. Forrou tudo com uma folha de papel na qual escreveu um poema declarando seu amor, e deixou na porta dele a caixa com os presentes.

Quando ele encontrou a caixa, não entendeu. Depois, entendeu. Mas nada falou a ninguém.

Na consulta seguinte ele a seduziu. E cobrou dela o amor verdadeiro que lhe foi prometido. Quis vê-la cortar-se de novo, machucar-se, humilhar a si mesma na frente dele. Viu.

Pela primeira vez ela estava feliz. Cada novo pedaço de pele que arrancava, cada gota de lágrima e de sangue que vertia para ele, era amor que compartilhava. Por isso ela sorria quando estava chorando, amava quando estava sofrendo. Só não sabia que, enquanto achava que vivia, estava na verdade definhando.

Doente, fraca, ele não a quis mais. Abandonou-a num hospital. Aos pais dela, disse que era um caso perdido. Nunca foi visitá-la.

Ela parou de falar, parou de olhar, parou de comer.

Ele, enquanto isso, está quase conseguindo convencer a esposa a deixar-se furar com pequenas agulhas.

2 comentários:

  1. "Sinto eu q da mesma forma que não existe equilibrio sempre haverá o sadico e o masoquista, nunca encontraremos a completude no outro e novamente cairemos na dor de dominar a presa, no fim a solidão passa a ser apenas a completude de quem se sente auto suficiente."

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