quinta-feira, 22 de junho de 2017

A velha doceira


Todos os anos, em 26 de setembro, dia de Cosme e Damião, ela enchia a grande sacola preta com os doces preparados na véspera.

            Então ela saía pelas ruas e as crianças a cercavam.

            Pequenos selvagens. Mini monstros que tomavam de suas mãos de velha o pacotinho com cocada, suspiro, brigadeiro e cajuzinho, e corriam afoitos, sem nem dizer obrigado.

           Diziam que só no fim da tarde ela voltava para casa. Tarefa cumprida, a grande sacola preta vazia. Então, exausta e suada, a velha desabava no sofá da pequena sala e, olhando a sacola que ainda mantinha nas mãos, ria.

            Passados dois dias, as crianças começavam a adoecer.

        Algumas   eram levadas às emergências dos hospitais. Outras, não sobreviviam tanto tempo. 

            No meio da revolta e da tristeza da sociedade, sempre havia alguém que desconfiava dos doces. E ia investigar-lhes a procedência. Quem conseguia, porém, chegar até a casa da velha doceira, encontrava apenas um imóvel vazio, triste, abandonado para a poeira e o silêncio. Como se daquele jeito estivesse desde sempre.

            Eu vi a velha uma vez, quando criança, num dia de Cosme e Damião. Não peguei os pacotinhos fatais, por causa de uma dor de barriga que levara minha mãe a me proibir de comer doces por um tempo. Escapei de morrer, mas até hoje essa senhora diabólica me aparece à noite, frequentando sinuosa os meus pesadelos.



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